Posso viajar sem roteiro, sem roupa limpa, sem secador de cabelo nem maquiagem e até sem dinheiro, mas nunca sem uma câmera. Ao longo dos últimos quatro anos de viagens pela Ásia venho percebendo como a fotografia me transformou, aos poucos, na viajante que eu sou hoje. Ter uma câmera nas mãos me faz observar mais, procurar detalhes, interagir com as pessoas. Ela treinou meu olhar para cores, formas, rostos, padrões e até cheiros (sim, até cheiros me inspiram!). Passei a ver beleza no rotineiro, no simples, no sujo e também a enxergar de outro jeito o que já é belo por natureza.
(FOTO: Clarissa Ferreira | Deusa Kumari - Patan, Nepal)
(Leia também: "Dicas para gravar melhores vídeos de viagem")
Logo que cheguei em Singapura, comprei minha atual câmera, uma Canon 5D, e me dei a missão de estreá-la num enorme festival hindú chamado Thaipusam. Assim que me vi com uma câmera apontada para devotos que se autoflagelavam e, sangrando, dançavam e rezavam na minha frente, me enchi de dúvidas. Até onde podia intrometer minha câmera sem ofender nem desrespeitar ninguém? Como conseguir um retrato natural de um estranho na rua? E se alguém não quiser ser fotografado? Naquele primeiro Thaipusam que testemunhei deixei minha inexperiência e insegurança afetarem o resultado do meu trabalho e os registros do festival foram bem medíocres.
Não desanimei e segui viajando pela Ásia com a câmera a tiracolo, visitando templos, comunidades, mercados, escolas, cidades. No ano seguinte, voltei ao Thaipusam com a mesma missão e dessa vez, completamente à vontade, registrei o festival não apenas através de fotografias, mas também vídeos e montei um dos episódios mais populares do A Culpa é do Fuso. A estrada havia me ensinado lições importantes que me tornaram não apenas uma fotógrafa mais preparada, como uma viajante muito melhor.
(Assista: "Episódio: Thaipusam em Singapura")
Se você também ama fotografia e, assim como eu, odeia ser inconveniente ou "sem noção" como muito turista por aí, compartilho agora algumas das lições mais importantes que aprendi fotografando na estrada e que podem te deixar mais confiante e confortável com uma câmera na mão.
(FOTO: Clarissa Ferreira | Bagan, Myanmar)
- LIÇÃO 1: Antes de mais nada, fazer o dever de casa é fundamental! Com tantos guias, sites e blogs disponíveis não há motivo para chegar a um novo destino sem saber nada sobre o lugar e as pessoas que vivem lá. Conhecer a história do país, a situação política, os aspectos culturais e religiosos sem dúvida trazem conteúdo às fotos e impedem que você passe batido por símbolos, cartazes, estabelecimentos, cerimônias, hábitos. Sem contar que é uma ótima maneira de começar uma conversa com um morador local. E isso nos leva à segunda lição:
– LIÇÃO 2: Já percebeu como moradores às vezes são intolerantes com turistas e suas câmeras insaciáveis?! Basta parar de agir como um para ver como essa relação muda. Quem não gosta de falar do seu país, não é mesmo? Mostrar conhecimento e interesse na vida das pessoas as deixa à vontade e com confiança em você. Aí, sim, apontar uma câmera a elas será um ato natural e até divertido.
– LIÇÃO 3: Se a língua não permite uma interação tão próxima, o contato visual é tiro e queda. Nada como uma troca de olhares para sentir se você é bem-vindo ou se está trazendo desconforto pra alguém. Aprender a dizer “oi” na língua local abre portas e sorrisos! E, se nada disso funcionar e uma pessoa claramente não quiser ser fotografada, basta seguir adiante e entender que nenhuma fotografia vale o constrangimento do outro.
– LIÇÃO 4: Sim, as crianças na Ásia são fofíssimas! Mas pare e pense: você gostaria que um estranho chegasse apontando a câmera para seu filho e fosse embora sem dar maiores explicações? Du-vi-de-o-dó. Então, não fazer o mesmo com o filho dos outros é o mínimo. Já fotografei crianças, claro, mas sempre vou devagar. Procuro fazer o tal contato visual com os pais, brinco um pouco com os pequenos e aí sim, caso todos estejam confortáveis e de acordo, pego a câmera e faço a foto ou o vídeo que eu quero. Mais uma vez, respeito é a alma do negócio.
– LIÇÃO 5: Aqui pela Ásia as pessoas são muito amigáveis e simpáticas, nunca tive nenhum problema em fotografá-las. O que pega às vezes é que são muito tímidos. Aprendi que um sorriso, muitos gestos e elogios quebram qualquer (ou quase toda) timidez. Mostrar o resultado da foto depois é sempre um sucesso! Mulheres e crianças adoram se ver retratadas no visor. Independente do resultado do trabalho, essa interação por si só já é muito gostosa e eu guardo com mais carinho do que o registro em si.
(FOTO: Clarissa Ferreira | Phokara, Nepal)
– LIÇÃO 6: Talvez a coisa mais importante que eu aprendi na estrada foi que tempo é fundamental. Não podemos esperar registros criativos e únicos viajando na correria pulando de uma atração turística pra outra. Algumas das minhas melhores fotos eu tirei enquanto estava simplesmente vendo a vida passar em algum canto da cidade. Sentar para tomar uma cerveja, café ou chá em algum estabelecimento local, de preferência na calçada, é a garantia de interagir com as pessoas e vê-las em sua rotina. Depois de um tempo sentado ali, ninguém mais percebe nem você nem a câmera…
– LIÇÃO 7: Mas, vamos lá… isso não quer dizer que o negócio é ficar em um canto bancando o paparazzi ou voyeur esquisitão com uma super lente. Se fazer perceber e olhar no olho sempre que possível é muito melhor do que ser pego fotografando às escondidas. Não é preciso esconder suas intenções para fazer uma foto ou vídeo de alguém, muito pelo contrário. É justamente ela que vai te conectar e aproximar das pessoas.
– LIÇÃO 8: Se na fotografia de rua seguir normas básicas de convivência e educação costumam prevenir conflitos e situações constrangedoras, em templos e manifestações religiosas a questão pode ser um pouco mais delicada. Mais uma vez o tal “dever de casa” se faz necessário. Procurar saber qual a postura esperada no lugar, as normas e costumes adotados pelos fiéis, se (e o quê) é permitido fotografar é fundamental. Venci minha insegurança em registrar cerimônias religiosas me informando ao máximo para evitar gafes ou uma postura desrespeitosa. Então, na dúvida, vale perguntar no local, na recepção do hotel ou simplesmente observar se alguém parece ofendido com a sua presença antes de sair clicando por aí.
(Leia mais: "Ásia de templo em templo")
Resumindo, não agir como um turista – na pior definição da palavra – é o primeiro passo para ser respeitado e aceito como fotógrafo em um ambiente que não é o seu. No fim das contas, minha experiência nesses dois anos de estrada não me tornou uma melhor fotógrafa, mas uma viajante melhor. O resto foi consequência.
(FOTO: Clarissa Ferreira | Kyoto, Japão)