Quem curte uma boa road trip sabe que o sudeste asiático está repleto de estradas famosas que cruzam as paisagens mais emblemáticas do continente. Algumas viagens são verdadeiras aventuras por conta do isolamento do lugar e das condições da estrada, outras podem ser encaradas com facilidade e boa infraestrutura. A verdade é que na Ásia tem diversão pra todos os gostos!
Quem acompanha nosso projeto "A Culpa é do Fuso" a essa altura já percebeu que não perdemos a chance de fazer uma boa e vagarosa road trip. Seja de 4x4 pelas montanhas do Himalaia indiano, de moto pelo interior de Bali ou então de scooter pelo sul do Laos, cair na estrada é com a gente mesmo! Sendo assim, o emblemático Mae Hong Son Loop estava na nossa mira há algum tempo e, logo que nos sentimos prontos para encarar o desafio, planejamos a viagem.
MAS AFINAL, O QUE É ESSE TAL DE "MAE HONG SON LOOP"
Mae Hong Son é uma província remota do norte da Tailândia próxima à fronteira com o Myanmar que sofre forte influência tanto do país vizinho quanto dos inúmeros povoados das montanhas, que até hoje preservam muitas das suas tradições e culturas centenárias.
O cenário exuberante da região com seus paredões de calcário, cavernas, rios e florestas vem seduzindo viajantes desde os tempos da hippie trail quando, na década de 70, mochileiros do mundo todo peregrinaram da Europa até a Ásia com pouca grana e muita sede de aventura na bagagem. Hoje em dia, o centro das atenções do extremo norte da Tailândia é Pai, cidade que já foi um refúgio zen nas montanhas e hoje segue o rastro das ilhas mais famosas do país multiplicando festas, albergues baratos e atrações de gosto duvidoso.
(FOTO: Clarissa Ferreira | Pai, Tailândia)
Não demorou muito para os viajantes perceberem o potencial da região e começarem a explorar as belas estradas do norte do país, principalmente de moto. E não foi à toa… Sobre duas rodas você pode parar a cada curva que revela um novo cenário de tirar o fôlego. Também consegue sentir o cheiro das árvores exóticas, ouvir a gargalhada das crianças na beira da estrada e conversar com os moradores de vilas e cidades que aparecem pelo caminho.
Depois da nossa experiência pelo Bolaven Plateau, no Laos, assumimos que estávamos prontos para encarar o circuito de aproximadamente 600km que ficou conhecido como o Mae Hong Son Loop. Foram seis dias e cinco noites explorando as estradas do norte da Tailândia passando por cidades como Chiang Mai, Pai e Mae Hong Son e também cavernas, cachoeiras e paisagens inesquecíveis.
PLANEJAMENTO E ROTEIRO
(FOTO: Clarissa Ferreira | Pop Rider Motorbike Rental, Chiang Mai)
O circuito começa e termina em Chiang Mai e pode ser percorrido tanto em sentido horário, quanto anti-horário em no mínimo três dias (bastante corridos). Muitos dizem aos menos experientes para deixar o trecho Chiang Mai - Pai para o final da viagem por este ser mais traiçoeiro, mas pessoalmente não achamos que faça muita diferença, já que as curvas fechadas e ladeiras íngremes acompanham toda a viagem.
Em Chiang Mai é possível alugar com facilidade motos automáticas e semi-automáticas em lojas como Pop Rider e Mr Mechanic, ambas com ótima reputação. Para navegação usamos o aplicativo Maps.me, que cobre a região com mais eficiência do que o Google Maps, e o Golden Triangle Rider's Map, que compramos em uma livraria em Pai e foi uma mão na roda na hora de definir a rota de cada dia.
Optamos por alugar uma scooter Yamaha N-Max155cc (500THB por dia) para nós dois, já que eu, Clarissa, gosto mais de curtir paisagens do que de pilotar. A missão mais difícil de todo o planejamento foi fazer as nossas roupas caberem em uma pequena mochila que amarramos na traseira da moto. Escolhendo as peças certas e lançando mão de um certo desapego, a missão foi cumprida! E lá fomos nós!
CAINDO NA ESTRADA: O ROTEIRO DA VIAGEM, DIA A DIA
(FOTO: André Garcia | Na estrada, Mae Hong Son Loop)
Após checar a moto, abastecer e tentar, sem sucesso, escapar de uma blitz na saída da cidade, seguimos nosso caminho rumo a Pai. Era dia 25 de dezembro e nosso plano era estar de volta a Chiang Mai para o Reveillon, o que nos dava seis dias para completar a viagem com folga.
- DIA 1: Chiang Mai - Pai (130km)
Como era feriado, a saída da cidade foi tranquila e com pouco movimento. Em dias normais, o trânsito na chegada e saída de Chiang Mai pode dar um certo trabalho, ainda mais nos horários de pico. A estrada para Pai é tão bonita e cheia de curvas como dizem por aí, mas com calma e prudência é possível percorrer o trajeto sem sustos aproveitando cada nova paisagem. Oportunidades para esticar as pernas (e aliviar a bunda) não faltam, seja em cafés charmosos ou em viewpoints que acompanham toda a estrada.
- DIA 2: Pai
Como estávamos com tempo de sobra, optamos por ficar mais um dia em Pai para explorar a região e aproveitar a noite na cidade que, apesar do desenvolvimento crescente, ainda guarda o charme hippie de outrora. De moto é possível visitar com facilidade as cachoeiras, a curiosa vila chinesa de Ban Santichon e ainda pegar o fim de tarde no incrível Pai Canyon. À noite, o jantar em algumas das muitas barracas de comida de rua é obrigatório e a cervejinha antes de dormir fica por conta dos muitos barzinhos e cafés da cidade. Nós escolhemos nosso preferido, o Edible Jazz, estrategicamente localizado ao lado do nosso hotel, Breeze of Pai.
(FOTO: Clarissa Ferreira | Pai Canyon, Pai)
- DIA 3: Pai - Cave Lodge (48km)
O dia foi curto na estrada, apenas 48km rodados até chegar ao nosso próximo destino: Cave Lodge, o melhor pouso de toda viagem. A estrada fica mais bonita a cada quilômetro, quando os paredões de calcário começam a despontar pelo caminho. Continua fácil de abastecer com bombas self service espalhadas pela estrada e a navegação também é descomplicada.
O Cave Lodge é um refúgio nas montanhas próximo a famosa caverna Lod e existe desde a década de 70. O lugar já virou emblemático entre mochileiros de várias gerações, que são recebidos por John Spies, um australiano que se apaixonou pela Tailândia (e por uma tailandesa) e passou a vida explorando as cavernas e tribos do norte do país. O Lodge é fantástico não apenas pela localização, mas também pela fundação de madeira e bambú em meio à floresta e ao restaurante e bar aconchegantes.
(FOTO: André Garcia | Cave Lodge)
Chegamos a tempo de visitar a caverna Lod, famosa por suas proporções gigantes, rio subterrâneo e vestígios pré-históricos. A região, porém, oferece tantas opções de atividade - de rafting em jangadas de bambu a caminhadas até tribos locais - que merece muitos dias no roteiro de quem chega por lá. Infelizmente, como estávamos com o cronograma apertado, tivemos que partir na manhã seguinte após uma noite embalada a muita Lao Beer ao pé da fogueira.
(FOTO: Clarissa Ferreira | Caverna Lod, Tailândia)
- DIA 4: Cave Lodge - Baan Rak Tai - Mae Hong Son (137km)
O quarto dia em cima da moto foi puxado, daqueles que deixam a bunda quadrada e as costas quebradas, mas quem vai encarar uma viagem de moto como essas deve estar preparado não só para os amores e mas também para as dores da viagem. Por outro lado, a estrada continua em excelentes condições, asfaltada e com paisagens belíssimas.
Nos despedimos, com dor no coração, do Cave Lodge e seguimos nosso rumo. Pelo mapa que compramos em Pai descobrimos a existência de Baan Rak Tai, uma pequena vila de refugiados chineses às margens de um lago cênico e a apenas 1km da fronteira com o Myanmar. O lugar não apresenta grandes atrações, mas oferece cafés e restaurantes na beira do lago e é um ótimo ponto para descansar da estrada.
(FOTO: André Garcia | Ban Rak Tai, Tailândia)
Nosso destino final, Mae Hong Son, consiste em alguns quarteirões e aparentemente tem lá sua infraestrutura de poucos restaurantes e hotéis. Nós não perdemos tempo por lá e seguimos direto em direção ao hotel que escolhemos para passar a noite, o Fern Resort. Com bangalôs aconchegantes, por do sol com vista para uma pequena plantação de arroz, restaurante decente, fogueira para aplacar o frio e até mesmo uma pequena piscina, o lugar parecia de fato melhor do que as opções na cidade.
- DIA 5: Mae Hong Son - Mae Chaem (200km)
(FOTO: Clarissa Ferreira | Mae Hong Son Loop)
Haja bunda pra aguentar 200km em cima de uma scooter! O quinto dia do nosso percurso foi o mais longo, mas repleto de paisagens bonitas, uma vez que cruzamos o Mae Surin National Park até chegar a pequena cidade de Mae Chaem, nosso destino final. O parque é famoso por suas cachoeiras e pela enorme plantação de girassóis que aparentemente florescem em novembro já que a maioria das flores estava seca quando estivemos lá. Apesar da decepção, deu pra perceber o incrível potencial do lugar.
A passagem pelo parque aumentou nossa quilometragem, mas o lance de uma road trip é justamente curtir os caminhos mais bonitos, não os mais curtos, certo? Assim, encerramos o percurso quebrados, mas com as lembranças de um belo dia na estrada. Pensando assim, decidimos, com a ajuda de umas boas Changs geladas, desviar do percurso mais óbvio para o dia seguinte e encarar as curvas e o vento frio da subida para o pico mais alto da Tailândia.
(FOTO: Clarissa Ferreira | Planejando a viagem)
- DIA 6: Mae Chaem - Doi Inthanon - Chiang Mai
Começamos o último dia do Loop bem cedo para encarar a subida de moto até o Doi Inthanon, montanha mais alta país (2566 metros). Com o sol ainda baixo, passamos um aperto com o vento frio no caminho, principalmente o André, que estava na frente...
Como a estrada vai até o topo da montanha, dá pra concluir que o lugar não é ermo e muito menos vazio. Turistas se espremem por um pedaço de vista com seus paus de selfie e fazem fila para chegar ao famoso viewpoint. Confesso que o mais interessante para nós foi uma pequena feira gastronômica, onde tomamos uma sopa e um café quente que nos prepararam para as próximas horas de frio montanha abaixo.
(FOTO: Clarissa Ferreira | Doi Inthanon, pico mais alto da Tailândia)
A passagem pelo Parque Nacional é um deleite, sem dúvida um dos trechos mais agradáveis de toda a viagem. Como muitos turistas domésticos visitam o lugar, há campings por todo lado e invejamos quem dormiu e acordou com uma vista daquelas. Não faltam cafés para esticar as pernas e esquentar o corpo com vista para as montanhas e plantações de morango.
A chegada em Chiang Mai foi a parte mais chata de todo o percurso, já que a estrada estava movimentada e com muitos caminhões e obras no caminho. Um pena encerrar a viagem com um trecho tão sem graça, mas voltar para cidade grande tem dessas coisas.
Saldo total do Loop: 750km rodados em 6 dias na estrada, 150km a mais do que estávamos planejando e um dia a menos do que esperávamos inicialmente. Mais de 20 litros de gasolina e alguns tantos de café depois, concluímos a viagem a tempo de esperar a chegada do ano novo em Chiang Mai à base de muita foot massage, Chang Beer e curry. Na noite do dia 31 brindamos a mais uma viagem incrível na bagagem e fizemos planos para a próxima aventura de moto (Vietnã, quem sabe?).